Quando devemos suspeitar de um quadro da Síndrome de Guillain-Barré?

| 8 março 2019 | ID: sofs-41968
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH:

A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é um quadro geralmente precedido por infecção ou outra estimulação imunológica que induz uma resposta autoimune aberrante visando nervos periféricos e suas raízes espinhais. Infecções bacterianas por Campylobacter jejuni, Mycoplasma pneumoniaee virais por Epstein-Barr e citomegalovírus estão entre os agentes infecciosos mais comuns capazes de acionar a SGB 1. Uma relação emergente entre a SGB e a infecção aguda por arbovírus, incluindo Zika e Chikungunya está sendo monitorada de perto e é assunto de grande interesse à medida que a epidemia global se espalha. Casos de SGB também foram relatados logo após a administração da vacina antirrábica e vários tipos de vacina contra o vírus influenza A 2. O mimetismo molecular entre antígenos microbianos e nervos é claramente uma grande força motriz por trás do desenvolvimento da doença.


Clinicamente, os pacientes com SGB devem, obrigatoriamente, apresentar graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar oito semanas e com recuperação de 2-4 semanas após a fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados pouco frequentes, devendo levantar suspeita de uma etiologia alternativa, cuja causa provavelmente seja infecciosa. Um diagnóstico mais acurado da SGB, entretanto, deve estar baseado na história do paciente, apresentação clínica, análise do líquido cefalorraquidiano, eletromiografia e estudos de condução nervosa 3.
Apesar de tratar-se de uma síndrome que demanda internamento hospitalar para seu manejo, é importante que o médico da Atenção Básica tenha familiaridade com o quadro e, ao identificar algum paciente com características clínicas sugestivas de SGB, referencie-o para uma avaliação de urgência em serviço de saúde com suporte adequado. Exame físico evidenciando sintomas típicos, especialmente em pacientes com história de quadro infeccioso prévio ou vacinação recente (antirrábica/influenza A), deve ser sinal de alerta para o diagnóstico.
Leitura complementar:
Em 1990, os Critérios Diagnósticos para  Síndrome de Guillain-Barré publicados pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke foram adaptados por  Asbury  e Cornblath e ainda hoje são amplamente utilizados para apoiar o diagnóstico dessa patologia 4. Esses critérios exigem o preenchimento de todos os quesitos abaixo:

a) presença de dois critérios essenciais:
-Fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos de graus variáveis, desde paresia leve até plegia;
-Hiporreflexia e arreflexia distal com graus variáveis de hiporreflexia proximal.

b) presença de, pelo menos, três critérios clínicos sugestivos:
-Progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;
-Demonstração de relativa simetria da paresia de membros;
-Sinais sensitivos leves a moderados;
-Envolvimentos de nervos cranianos, especialmente fraqueza bilateral dos músculos faciais;
-Dor;
-Disfunção autonômica;
-Ausência de febre no início do quadro.

c) ausência de mais de uma situação que reduza a possibilidade de SGB:
-Fraqueza assimétrica;
-Disfunção intestinal e de bexiga no início do quadro;
-Ausência de resolução de sintomas intestinais ou urinários;
-Presença de mais de 50 células/mm3 na análise do líquor;
-Presença de células polimorfonucleares no líquor;
-Nível sensitivo bem demarcado.

d) ausência de situação que exclua o diagnóstico de SGB:
-História de exposição à hexacarbono, presente em solventes, tintas, pesticidas ou metais pesados;
-Achados sugestivos de metabolismo anormal da porfirina;
-História recente de difteria;
-Suspeita clínica de intoxicação por chumbo (ou outros metais pesados);
-Síndrome sensitiva pura (ausência de sinais motores);
-Diagnóstico de botulismo, miastenia gravis, poliomielite, neuropatia tóxica ou paralisia conversiva.

e) análise do líquor e estudo neurofisiológico compatíveis com a doença e investigação adicional criteriosa com intuito de afastar outras etiologias:
-Análise do líquor com alta concentração de proteína e presença de menos de 10 células/mm3;
-Estudo eletrofisiológico típico (São necessários três dos quatro critérios a seguir, geralmente ausentes antes de 5-7 dias, podendo não revelar anormalidades em até 15%-20% dos casos após esse período:
1- Redução da velocidade de condução motora em dois ou mais nervos;
2- Bloqueio de condução do potencial na condução neural motora ou dispersão temporal anormal em um ou mais nervos;
3- Prolongamento da latência motora distal em dois ou mais nervos;
4- Prolongamento de latência da Onda-F ou ausência dessa onda).
Atributos da APS:
Pacientes que apresentaram SGB frequentemente relatam queixas e déficits residuais, o que pode ter um efeito substancial nas atividades diárias e na qualidade de vida. Cerca de 20% dos pacientes com SGB não conseguem andar sem ajuda mesmo seis meses após o início do quadro. Muitos apresentam dor e fadiga residuais, o que pode ser atribuído, em parte, a uma perda axonal persistente 2,5,6. A maioria melhora no primeiro ano, mas os pacientes podem mostrar recuperação adicional mesmo após três anos ou mais 1. Por isso, vale lembrar que o vínculo do paciente com a Unidade de Saúde da Família é permanente e que, após a alta hospitalar, é importante retomar seu acompanhamento e estruturar um plano de cuidado multidisciplinar para possíveis sequelas decorrentes do quadro.

Bibliografia Selecionada:

1. Ziganshin RH, Ivanova OM, Lomakin YA, Belogurov AA, Kovalchuk SI, Azarkin IV et al. The Pathogenesis of the Demyelinating Form of Guillain-Barre Syndrome (GBS): Proteo-peptidomic and Immunological Profiling of Physiological Fluids. Mol Cell Proteomics, 2016; 15(7): 2366-78. Disponível em: https://www.mcponline.org/content/mcprot/15/7/2366.full.pdf
2. Willison HJ, Jacobs BC, Van Doorn PA. Guillain-Barré syndrome. Lancet, 2016; 388(10045): 717-27. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00339-1
3. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Síndrome de Guillan-Barré. Portaria SAS/MS nº 1171, de 19 de novembro de 2015. Brasília: MS; 2015.. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/20/MINUTA-de-Portaria-SAS-PCDT-Guilain-Barr—ATUALIZADO-11-11-2015.pdf
4. Asbury AK, Cornblath DR. Assessment of current diagnostic criteria for Guillain-Barré syndrome. Ann Neurol, 1990; 27(suppl): S21-4. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/b806/abb929620fa46544770cc4a0f583a17dda10.pdf
5. Drenthen J, Jacobs BC, Maathuis EM, Van Doorn PA, Visser GH, Blok JH. Residual fatigue in Guillain-Barre syndrome is related to axonal loss. Neurology, 2013; 81:1827-1831. Disponível em: https://n.neurology.org/content/81/21/1827.long
6. Merkies IS, Faber CG. Fatigue in immune-mediated neuropathies. Neuromuscul Disord, 2012; 22: S203-S207. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960896612006232