Qual o papel do médico e da equipe de APS no manejo dos casos de pré-eclampsia?

| 26 outubro 2016 | ID: sofs-35631
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: , , ,

O manejo dos casos de gestantes com pré-eclampsia é variável, a depender da gravidade do quadro clínico e da idade gestacional. Em todas as situações de pré-eclampsia a gestante deverá ser acompanhada conjuntamente em pré-natal de alto risco. Há situações em que também é necessário a hospitalização e, em casos de extremo risco de vida, a gestação deve ser interrompida.
Não há uma terapêutica que seja considerada a melhor para a pré-eclampsia, doença que pode ocorrer em diversos momentos do ciclo gravídico-puerperal. A conduta mais adequada é indivi­dualizar os casos, tendo sempre como objetivo a redução dos altos índices de morbimortalidade materna e fetal através da prevenção de complicações, particularmente durante o puerpério.1
Quando o profissional de saúde assistente do pré-natal detecta uma gestante com aumento rápido de peso, edema facial ou outros sintomas sugestivos de pré-eclampsia, isto requer monitoração mais rigorosa da pressão arterial e a pesquisa de proteinúria.2 Os mesmos princípios adotados para o manejo da hipertensão arterial na gestação estão indicados para os casos de pré-eclampsia3.


Decidindo sobre a continuidade da gravidez:
É conhecido o fato de que o tratamento definitivo da pré-eclampsia é o parto e, a depender de fatores como idade gestacio­nal, gravidade da doença, bem-estar fetal e presença ou não de complicações, a interrupção da gravidez está indicada. Entretanto, há situações em que a instalação precoce da doença inviabiliza a opção do parto, pois este aumentaria a chance de prematuridade, com subsequente incremento da morbimortalidade neonatal.1
A interrupção precoce da gravidez em casos de pré-eclampsia, portanto, somente se justificaria quando houvesse elevado risco de vida materno, ou seja, em alguns casos graves da doença (grau de recomendação A), que a seguir estarão descritos. Quando a condição materna for está­vel e a vitalidade fetal satisfatória, mesmo em condição grave de pré-eclampsia, posterga-se o parto para depois da 34ª semana.1,2 A interrupção da gravidez de mulheres com pré-eclampsia pode ocorrer pela via vaginal, através da indução do trabalho de parto (maior chance de sucesso quanto mais avançada a idade gestacional), ou programada pela cesárea eletiva. Ressalta-se, contudo, que a cesariana aumenta o risco de complicações maternas em casos de pré-eclampsia grave, portanto, a doença per se não é indicação de cirurgia. Esta deve ser realizada quando há indicações obstétricas, por exemplo, sofrimento fetal e apresentações anômalas.1
Embora não haja dados suficientes para a recomendação segura da conduta expectante nos casos de pré-eclampsia, essa conduta parece melhorar o prognóstico perinatal, com mínimo risco materno (grau de recomendação B). Desta forma, e considerando que haverá rigorosa monitorização do binônimo mãe-feto, a conduta expectante pode ser recomendada em casos selecionados (grau de recomendação D).1

Identificando a pré-eclampsia grave:
A fim de classificar a pré-eclampsia em leve ou grave, devem ser considerados manifestações clínicas e resultados de exames laboratoriais maternos, e achados de exames avaliadores da vitalidade fetal (ultrassonografia, doppler velocimetria, cardiotocografia e perfil biofísico fetal).1,3 Quando presentes um ou mais dos critérios listados abaixo, o caso é considerado grave e deve ser avaliado em hospital de referência:2
– pressão arterial diastólica ≥ 110mmHg;
– proteinúria ≥ 2,0 g em urina de 24 horas ou ≥ 2+ em fita urinária;
– oligúria (volume urinário < 500 mL/dia ou < 25 mL/h);
– níveis séricos de creatinina > 1,2 mg/dL;
– sinais clínicos de encefalopatia hipertensiva (cefaleia, distúrbios visuais, alterações do status mental);
– dor epigástrica ou no hipocôndrio direito;
– evidência clínica e/ou laboratorial de coagulopatia;
– plaquetopenia (< 100.000 plaquetas/mm3);
– aumento de enzimas hepáticas (transaminases e desidrogenase láctica) e de bilirrubinas;
– presença de esquizócitos em esfregaço de sangue periférico.
Outros sinais que podem sugerir o diagnóstico de pré-eclampsia grave são acidente vascular cerebral, sinais de insuficiência cardíaca, cianose ou insuficiência respiratória, e presença de restrição de crescimento intrauterino e/ou oligohidrâmnio.2

Condutas propostas:
Mesmo para gestantes com pré-eclampsia leve, o Ministério da Saúde recomenda, preferencialmente, que ocorra hospitalização para avaliação diagnóstica inicial, tanto das condições maternas quanto fetais. Essas gestantes devem ser mantidas com dieta normossódica e repouso relativo.2 Sabe-se que a internação hospitalar para gestantes com pré-eclampsia não é uma unanimidade entre os diversos autores, mas se observa que a preferência pela hospitalização é a regra entre os centros de referência.4
Diversas condutas têm sido propostas, na tentativa de prevenir complicações perinatais decorrentes de pré-eclampsia, enquanto não é possível ou recomendável interromper a gestação. Uma dessas medidas é a corticoterapia antenatal, indicada sempre que existir risco iminente de prematuridade entre a 24ª e a 34ª semana de gestação (grau de recomendação A). No tocante à administração de sulfato de magnésio, recomenda-se que sua prescrição seja criteriosa para mulheres com pré-eclampsia leve, de acordo com a condição clínica da paciente e a experiência do serviço; nos casos graves, a prescrição de sulfato de magnésio é recomendada. Por outro lado, não existem evidências suficientes para recomendar expansão plasmática e repouso em pacientes com pré-eclampsia.1

Medidas preventivas:
Como medidas preventivas para pré-eclampsia, convém destacar que a suplementação com cálcio (carbonato de cálcio, 1.000 a 2.000 mg/dia) parece reduzir em mais de 50% o risco de desenvolver a referida doença (grau A), especialmente nas mulheres com baixa ingestão desse micronutriente e naquelas com alto risco para pré-eclampsia. Nesta população também é recomendada a utilização de antiagregantes plaquetários, em pequenas doses diárias (75 a 100 mg), pois esta medida parece reduzir o risco de pré-eclampsia em 15% (NNT=86) (grau A) e o risco de mortalidade fetal em 14% (NNT=262) (grau B).4,5

Complementação da resposta

– Diagnóstico das síndromes hipertensivas na gestação:
As síndromes hipertensivas na gestação merecem destaque no cenário da saúde pública mundial, haja vista representarem a terceira causa de mortalidade materna no mundo e a primeira no Brasil. Em países desenvolvidos, aproximadamente de duas a oito em cada 100 gestantes desenvolvem um evento desse tipo, enquanto no Brasil pode-se chegar a 10% de todas as gestações. Essas síndromes podem ser classifi­cadas em hipertensão gestacional, hipertensão crônica, pré-eclampsia e eclampsia. Tal classificação é baseada na época de surgimento da hipertensão arterial e sua relação com gravidez, na presença de proteinúria e na gravidade do quadro clínico.1 A pré-eclampsia pode ocorrer de forma isolada ou sobreposta à hipertensão arterial crônica previamente existente. Tanto em uma forma quanto em outra, a pré-eclampsia configura-se no tipo de hipertensão que determina os piores desfechos maternos e perinatais.3
Define-se pré-eclampsia isolada quando ocorre hipertensão após 20 semanas de gestação e esse aumento nos níveis tensionais acompanha-se de proteinúria, com desaparecimento até 12 semanas pós-parto. Na ausência de proteinúria, também pode se suspeitar da doença quando a elevação da pressão arterial acompanha-se de cefaleia, distúrbios visuais, dor abdominal, plaquetopenia e aumento de enzimas hepáticas. Em casos de doença trofoblástica gestacional ou hidropsia fetal a pré-eclampsia pode ser diagnosticada antes da vigésima semana gestacional.2
Por outro lado, a pré-eclampsia sobreposta à hipertensão arterial crônica é a condição determinada por agravamento da hipertensão (ou de doença renal) previamente existente, agravamento esse caracterizado por elevação dos níveis tensionais ou surgimento (ou piora) de proteinúria depois de decorridas 20 semanas de gestação. Em tais situações pode surgir trombocitopenia (plaquetas <100.000/mm3) e ocorrer aumento nas enzimas hepáticas.2
Apesar da importância das síndromes hipertensivas durante a gestação em termos de saúde pública, em função das repercussões maternas e fetais potencialmente graves, a medicina convencional afirma desconhecer a etiologia dessas doenças.1,3 Sabe-se, no entanto, que apesar da fase de pré-eclampsia habitualmente cursar de modo assintomático, dependendo seu diagnóstico unicamente de exame físico e dados laboratoriais, ela pode evoluir para formas graves, entre estas a eclampsia (sobreposição de convulsões à pré-eclampsia) e a síndrome HELLP (sigla em inglês para Hemolysis, Elevated Liver enzymes and Low Platelets, ou seja, hemólise, elevação de enzimas hepáticas e baixa de plaquetas).3 Isto posto demonstra-nos a importância do tratamento da pré-eclampsia.

– Atributos da APS:
O cuidado pré-natal é uma tarefa importante dos serviços de atenção primária à saúde. Mesmo quando se necessita compartilhar esse cuidado, como nas situações de maior risco descritas neste texto, os profissionais do nível primário devem continuar acompanhando conjuntamente as gestantes. Salienta-se que também é dever da atenção primária coordenar o cuidado pré-natal no sentido de providenciar a articulação com os níveis secundário e terciário de atenção à saúde para casos de pacientes que demandem atendimento especializado.6

Bibliografia Selecionada:

  1. Noronha Neto C, Souza ASR, Amorim MMR. Tratamento da pré-eclampsia baseado em evidências. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010; 32(9): 459-68. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v32n9/v32n9a08.pdf(acesso em 09 set. 2016).
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_tecnico_gestacao_alto_risco.pdf (acesso em 09 set. 2016).
  3. Siqueira F, Moura TR, Silva SS, Peraçoli JC. Medicamentos anti-hipertensivos na gestação e puerpério. Com. Ciências Saúde. 2011; 22(1): 855-868. Disponível em: http://www.escs.edu.br/pesquisa/revista/2011Vol22_7medicamentos.pdf (acesso em 09 set. 2016).
  4. Ramos JGL, Martins-Costa S, Vettorazzi J. Hipertensão Arterial na Gestação. In: Duncan BB. et al. (org). Medicina ambulatorial: Condutas de atenção primária baseadas em evidências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2013. p. 414-421.
  5. Chisholm A, Qaseem A, Ehrlich A. Hypertensive disorders of pregnancy. Dynamed Plus. 2016.