Para definição de criança desnutrida considera-se essencialmente o peso abaixo do percentil 10?

| 19 fevereiro 2015 | ID: sofs-18598
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: , ,

Pode-se entender a desnutrição como uma doença de origem complexa e de múltiplas causas. Ela decorre da carência de nutrientes necessários para que o organismo realize seu metabolismo fisiológico (1). A utilização isolada do índice peso/idade na caracterização de um déficit nutricional, ainda que muito difundida, apresenta algumas limitações. Considera-se adequado seu uso para crianças no primeiro ano de vida, cujas alterações de peso são mais sensíveis às mudanças do estado nutricional e da saúde geral (2). Fora deste grupo etário, o comprimento/altura passa a refletir melhor o impacto das condições de vida ou de enfermidades associadas ao estado nutricional, recomendando-se o uso simultâneo dos índices altura/idade e IMC, permitindo-se identificar temporalmente o processo do desvio nutricional, ou seja, se iniciou no passado ou se é mais recente (2,3).
Assim, deve-se considerar sempre, na monitorização do estado nutricional da criança, os índices de equilíbrio entre altura e idade, peso e idade e peso e altura, e valores de IMC. Estes dados precisam ser registrados na Caderneta de Saúde da Criança, onde se encontram os valores de referência determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – curvas de 2006 (para crianças menores de 5 anos) e 2007 (para a faixa etária dos 5 aos 19 anos) (2,3).
O padrão da OMS deve ser usado para avaliar crianças de qualquer país, independentemente de etnia, condição socioeconômica e tipo de alimentação  No entanto, para que uma criança seja efetivamente classificada dentro de um  grupo de “desvio nutricional”, é necessária a avaliação das características individuais e do meio onde vive, para que possamos atribuir as causas para ela estar fora da curva e agir sobre elas, quando possível (3).
No que se refere à caracterização de uma criança desnutrida, o déficit estatural é melhor que o ponderal como indicador de influências ambientais negativas sobre a saúde da criança, sendo o indicador mais sensível de má nutrição nos países. A baixa estatura é mais frequente nas áreas de piores condições socioeconômicas e quatro vezes mais prevalente em crianças com baixo peso ao nascimento (4).
O estado nutricional infantil é determinado, na dimensão individual, pelo consumo alimentar e pelo estado de saúde da criança. Estes dependem dos cuidados dispensados pela família à criança, da salubridade do ambiente e da disponibilidade de alimentos no domicílio, da qualidade do vínculo entre mãe e filho e das condições de nascimento da criança (2). Sabe-se, porém, que o estado nutricional varia, mesmo nas mesmas condições ambientais, isto é, entre crianças de igual nível socioeconômico, algumas desnutrem e outras não (5). Por ter um caráter multifatorial, condições sociais adversas – como situação de pobreza da família, baixa escolaridade materna e grande número de filhos – também podem estar implicadas na gênese da desnutrição, e devem ser consideradas.
Uma vez identificado qualquer desequilíbrio nestes fatores, uma avaliação completa do estado nutricional é mandatória, contemplando anamnese alimentar e dados de ingestão (com atenção especial ao desmame e introdução de alimentação complementar), exame e história clínica (doenças diarreicas, infecções respiratórias agudas, higiene), calendário vacinal, dados psicossociais (relação familiar/comportamento da criança) (2,3). Igualmente importante no seguimento desses casos – a partir da identificação da criança com déficit de crescimento/baixo peso – é envolver a família no tratamento, porque muitas vezes as alterações ocorrem de forma moderada e leve, não sendo perceptíveis para os familiares.


Complementação da resposta
Em meados de 2013, a OMS emitiu um novo guia com orientações nutricionais e de manejo para crianças com quadro de desnutrição aguda, mas sem outras condições clínicas que exijam internação hospitalar, permitindo que as mesmas possam ser tratadas em casa com suas famílias (6).

Atributos da APS
É importante promover um acompanhamento individualizado às crianças desnutridas ou em risco de desenvolverem desnutrição, assegurando-lhes o atributo do acesso, de forma irrestrita à Unidade de Saúde, em caso de quaisquer intercorrências.
A longitudinalidade – a continuidade do cuidado – pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção e a recorrência a ela ao longo do tempo, e constitui-se em outro atributo fundamental no cuidado a essas crianças (2).
Tentar estabelecer estratégias para sensibilizar as famílias e avaliar a prática profissional neste sentido, pensando na integralidade e interdisciplinaridade do cuidado. A integralidade, outro atributo da APS, resume-se na capacidade da equipe de saúde de identificar e lidar com o leque completo das necessidades de saúde apresentadas pelos indivíduos, resolvendo-as, ou prestando orientações para que estes recebam os serviços dos demais pontos de atenção à saúde (2).
Em termos de prevenção da desnutrição infantil, é importante rever as orientações sobre aleitamento materno e fornecê-las desde o acompanhamento pré-natal até a época da introdução da alimentação complementar, ouvindo a mãe e suas noções e dúvidas acerca deste passo, incentivando e corrigindo quando necessário. Neste sentido, seguem algumas sugestões, baseadas no Guia alimentar para crianças menores de dois anos (4):

Bibliografia Selecionada:

  1. Fraga, JAA, Da Silva DSV. A relação entre a desnutrição e o desenvolvimento infantil. Rev Associ Bras Nutr [Internet]. 2014 [citado 2014 Dez 10];4(1):59-62. Disponível em: http://www.rasbran.com.br/rasbran/article/view/129 Acesso em: 19 fev 2015.
  2. Duncan BB. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. – 4a ed. Porto Alegre: Artmed; 2013.
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [citado 2014 Dez 10]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_33.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar [Internet].Brasília: Ministério da Saúde; 2009 [citado 2014 Dez 10]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad23.pdf Acesso em: 19 fev 2015.
  5. Nudelmann C, Halpern R. O papel dos eventos de vida em mães de crianças desnutridas: o outro lado da desnutrição. Cien Saude Colet [Internet]. 2011 [citado 2014 Dez 10];16(3):1993-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011000300033 Acesso em: 19 fev 2015.
  6. World Health Organization. Essential nutrition actions: improving maternal, newborn, infant and young child health and nutrition [Internet].  Geneva: World Health Organization; 2013 [cited 2014 Dec 10]. Disponível em:
    http://www.nutriways.com.br/pdf/Relatorio_WHO-Essential_Nutrition_Actions.pdf Acesso em: 19 fev 2015.