O que é peste bubônica?

| 10 agosto 2009 | ID: sofs-2268
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: , ,
Graus da Evidência:

Peste bubônica
Após picar um hospedeiro bacteriêmico, a pulga produz uma coagulase que vai determinar a coagulação do sangue ingerido no seu proventrículo, o que vai determinar o bloqueio, impedindo que no próximo repasto o sangue ingerido chegue ao estômago. Ao picar a pele do novo hospedeiro, a pulga bloqueada regurgitará, inoculando-lhe milhares de bactérias. Nos indivíduos com elevada imunidade pode se formar uma flictena rica em bacilos no local da picada, mas este é um achado incomum, de tal sorte que dificilmente a porta de entrada é identificada. Habitualmente, os micro-organismos inoculados difundem-se pelos vasos linfáticos até os linfonodos regionais, que passarão a apresentar inflamação, edema, trombose e necrose hemorrágica, circundados por uma bainha de periadenite, constituindo os característicos bubões pestosos.
Há replicação extracelular e os bacilos fagocitados por mononucleares sobrevivem intracelularmente, resistindo à fagocitose. A bacteriemia inicial pode estabelecer focos em todo o organismo: gânglios linfáticos, pele, pulmões, baço, fígado e sistema nervoso central (SNC). Se não for diagnosticada precocemente e o tratamento logo implantado, pode evoluir para as formas pneumônica e septicêmica.
Período de incubação
Varia de dois a seis dias, sendo mais curto na peste pneumônica, de um a três dias, podendo ser mais longo em indivíduos vacinados. Incubações de poucas horas ou de oito ou mais dias são incomuns.
Transmissão
A picada de pulgas é o principal mecanismo de transmissão da doença. O homem é acometido acidentalmente quando penetra no ecossistema da zoonose durante ou após uma epizootia ou pela introdução de roedores silvestres ou de pulgas infectadas no habitat humano. Os animais domésticos, em especial os gatos, podem conduzir as pulgas infectadas de roedores silvestres para dentro de casa e, às vezes, podem transmitir a doença por arranhaduras e mordidas. Outro meio, se houver lesões cutâneas, é a manipulação de tecidos animais infectados, sobretudo de roedores e lagomorfos, um fato importante quando se considera o hábito de caçar animais tais como o preá, a paca e a cutia.
O contágio pode ocorrer por gotículas provenientes de pessoas doentes ou animais, como o gato, com faringite ou pneumonia. A peste bubônica pode ser transmitida de pessoa a pessoa se houver contato com o pus de um bubão supurante e o aspirado contido na seringa utilizada na punção poderá também determinar a ocorrência de peste pneumônica caso haja a formação de aerossol por manipulação inadequada. Vale referir que em algumas circunstâncias a fonte de infecção não será precisamente determinada.
Os casos humanos geralmente são precedidos por epizootias, mortandade de roedores sem causa aparente, fenômeno nem sempre percebido pela população e pelos técnicos. Com a morte do roedor infectado, as pulgas abandonam o cadáver e buscam um novo hospedeiro, mesmo que não seja o preferencial, parasitando outros animais e mesmo o homem. A “queda do rato” é um fato relatado nas epidemias, quando o rato (Rattus rattus) cai do telhado onde se escondia, moribundo, sem história de uso prévio de raticidas.
A transmissão inter-humana por meio de ectoparasitos, tais como P. irritans, é rara e só é observada em habitações altamente infestadas e onde haja um paciente bacteriêmico. Já a pneumonia pestosa secundária, altamente contagiosa, que ocorre durante casos de peste bubônica ou septicêmica não tratados, determinará o surgimento de pneumonias primárias, uma emergência sanitária. Esta forma pode decorrer da transmissão direta inter-humana ou pela aspiração acidental em laboratório, ou ainda pela inalação de poeira com fezes de pulgas infectadas ou escarro ressecado contendo Y. pestis. Na guerra bacteriológica esta será a via utilizada para os ataques – aerossóis contendo o bacilo.
Período de transmissibilidade
As pulgas podem permanecer infectantes durante meses. Na peste pneumônica o período é curto, quer pela evolução fatal do quadro quer pela imediata implantação da terapêutica específica. Aproximadamente 95% destes pacientes falecem sem que cheguem a se converter em transmissores.
Suscetibilidade e resistência
A suscetibilidade é universal, e a imunidade temporária é relativa, não protegendo contra grandes inóculos.
Letalidade
Varia de acordo com as circunstâncias. Inferior a 10% quando a vigilância epidemiológica é eficaz, e próxima dos 100% quando ela inexiste.
Manifestações clínicas
Distinguem-se usualmente três formas clínicas principais da peste: bubônica, septicêmica e pulmonar. Outras formas, mais raras, é a cutânea primária, a faríngea, a meníngea e a endo-oftálmica. A rigor, pode- se considerar que basicamente existem duas formas de peste, com e sem bubões, uma ressalva necessária para que também se avente a hipótese da zoonose nos quadros clínicos que cursam sem linfadenite. Assim, quando houver comemorativos epidemiológicos sugestivos, os quadros clínicos de início súbito, febre alta, com ou sem linfadenite regional dolorosa e manifestações gerais graves impõem sempre a suspeita de peste.
Principais sintomas da peste nas formas bubônica:

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico precoce da peste é de extrema importância não somente para salvar a vida do paciente. Ele é essencial para que a vigilância epidemiológica adote as condutas cabíveis para evitar a possível ocorrência de epidemias, e para que aconteça a notificação do caso ou do surto à autoridade sanitária competente deve ser imediata, exigindo-se a confirmação do seu recebimento. Para que esse processo decorra rapidamente, os médicos devem conhecer profundamente a nosologia regional, o que lhes permitará cotejá-la com a peste, fechando o diagnóstico ou descartando o caso.
No início de uma epidemia ou quando a existência da doença na localidade é desconhecida, como já aconteceu inúmeras vezes em zonas tidas equivocadamente como indenes, o diagnóstico da peste é muito difícil. Ele se baseia no reconhecimento dos sinais e dos sintomas que caracterizam a doença, um procedimento que pode oferecer dificuldades por seu caráter proteiforme. A forma bubônica pode ser confundida com outras infecções, como as doenças sexualmente transmissíveis (DST) – linfogranuloma venéreo, cancro mole e sífilis -, com toxoplasmose infecciosa, citomegalovirose, histoplasmose aguda, tularemia, tuberculose, neoplasias, hérnias estranguladas, ricktesioses, febre tifóide e septicemias, adenite causada pela leishmaniose tegumentar americana e quaisquer processos que cursem com febre e linfoadenopatia, ressaltando-se sempre que na peste não há linfangite.
Na ausência de comemorativos epidemiológicos, a peste septicêmica é um diagnóstico eminentemente laboratorial, mas a suspeita deve ser aventada no atendimento de todos os casos de sepsis que ocorram nos focos pestosos cuja origem seja desconhecida. Ela deve ser diferenciada das septicemias bacterianas e de doenças infecciosas de início agudo e de curso rápido e grave, como a meningococcemia, por exemplo, impondo-se a comprovação da presença da bactéria no sangue. Nas áreas onde grassam o tifo, a febre tifoide, a malária, a dengue (graus III e IV) e a febre maculosa, o diagnóstico pode oferecer dificuldades.
A peste pulmonar, por sua transcendência, deve ser diferenciada de outras pneumonias, broncopneumonias e de estados sépticos graves. Sua rápida evolução, extrema gravidade e alta contagiosidade devem induzir à suspeita da etiologia pestosa. Por seus caracteres epidemiológicos, a síndrome cardiopulmonar por hantavírus deve sempre merecer especial atenção. A detecção de cavitação ao estudo radiológico pode sugerir a tuberculose, o que é descartado pela história natural da doença.
Tratamento
A rapidez e a gravidade da evolução da peste exigem que o tratamento seja instituído o mais precocemente possível, visando a deter a bacteriemia e a superar a toxemia. A coleta de amostras para exames laboratoriais deve precedê-lo, mas não pode retardá-lo, pois o pronto tratamento é condição essencial para um bom prognóstico. A equipe de saúde deve adotar as medidas de biossegurança compatíveis com o caso, das universais na peste bubônica ao isolamento estrito na suspeita de pneumonia.
A prescrição de antibióticos betalactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, cefamicinas, oxicefamicinas, carbapanemas e monobactâmicos), de macrolídeos (eritromicina, claritromicina, roxitromicina e miocamicina) e de azalídeos (azitromicina) na quimioprofilaxia ou no tratamento da peste está contra-indicada. São ineficazes contra a Y. pestis, contrariando o antibiograma, e levarão o paciente à morte, pois ele evoluirá com meningite, pneumonia e septicemia.
A orientação geral para garantir a maior eficácia do tratamento é a seguinte:

Tratamento de suporte
Nos EUA, o Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) recomenda que o paciente permaneça estritamente isolado durante as primeiras 48 horas do tratamento pelo risco de superveniência da pneumonia, devendo a internação ocorrer preferencialmente em unidade com estrutura que garanta a monitoração dinâmica e medidas de sustentação para a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, além de combate à septicemia, evitando o choque, a falência múltipla de órgãos, a síndrome da angústia respiratória do adulto e a CIVD.
As hemorragias profusas são incomuns e ocasionalmente exigem o uso de heparina. O choque endotóxico é freqüente, mas raramente os agentes vasopressores estão indicados, não havendo evidências que justifiquem a prescrição sistemática de corticosteróides. O bubão raramente requer cuidados locais, involuindo com a antibioticoterapia sistêmica, e a drenagem deve ser considerada um procedimento de risco.
No Brasil, até meados da década 1970, a maioria absoluta dos pacientes era tratada ambulatorialmente, nas suas próprias residências, com bons resultados, tendo em vista a predominância da forma ganglionar, que se caracterizava por uma suposta benignidade e excelente resposta aos antimicrobianos. A redução de riscos de epidemização durante a remoção justificavam a opção de também tratar a forma pneumônica em âmbito domiciliar.

 


Bibliografia Selecionada:

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de vigilância e controle da peste. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_vigilancia_controle_peste.pdf. Acesso em: 10 agosto 2009.