Qual a conduta em casos de citomegalovírus na gestação? Quais as repercussões da infecção para a gestante e o bebê?

| 21 outubro 2014 | ID: sofs-13351
Solicitante:
CIAP2:
DeCS/MeSH: ,
Graus da Evidência: ,

A despeito dos avanços nas técnicas de diagnóstico da infecção fetal pelo citomegalovírus (CMV), não há, até o momento, nenhuma modalidade de tratamento materno que previna ou reduza a chance de ocorrência de doença fetal e que tenha sido aprovada para uso. Dessa forma, a prevenção ainda representa importante ferramenta que a Equipe de Saúde pode utilizar no sentido de minimizar o risco de infecção congênita (1,2).
A recomendação atual limita o uso do Ganciclovir nos casos de doença materna grave complicada por imunodepressão e da criança infectada portadora de doença acometendo o sistema nervoso central ou colocando em risco a sobrevivência. Apesar das evidências serem escassas, essa terapêutica pode beneficiar a criança ao reduzir a chance de progressão da perda auditiva. Novas opções terapêuticas estão sendo pesquisadas.
Não há, até o momento, indicação para tratamento de crianças assintomáticas. É muito importante que seja realizado o acompanhamento auditivo de crianças portadoras de infecção congênita por CMV para que se diagnostique precocemente a perda auditiva e se proponha intervenção. Em gestantes saudáveis não se administram antivirais ou imunomoduladores. Apesar de não ser recomendada de rotina, a imunização passiva com imunoglobulina específica confere redução na incidência de CMV neonatal, podendo ser utilizada em casos selecionados (1,2,3).

Prevenção: Levando-se em consideração que todas as mulheres, independentemente do seu estado sorológico e mesmo que já tenham tido a infecção primária, estão sujeitas a adquirir infecção pelo CMV e transmitirem a infecção fetal e tendo-se em vista a alta incidência dessa infecção congênita no nosso meio, é dever da equipe de saúde esclarecer e orientar todas as gestantes sobre as medidas para prevenção.
A transmissão se dá por fluidos corporais contaminados (urina, fezes, lágrima, secreções respiratórias, leite), atividade sexual e pela via vertical (transplacentária e amamentação), assim devemos(1,2):
a) Reforçar hábitos de higiene: lavagem das mãos após contato com pessoas, independentemente de apresentarem ou não a doença. Atenção especial deve ser dada as crianças, pois frequentemente elas são infectadas pelo CMV e podem excretar prolongadamente grandes quantidades virais na urina, na saliva e nas fezes. Mesmo que a criança seja filha da gestante, existe a possibilidade de ela ter se infectado no contato com outra criança. Devem-se tomar cuidados durante a troca de fraldas, beijos que levem ao contato com saliva etc.
b) Evitar aglomerações: o contato pessoa a pessoa facilita a contaminação por meio de secreções.
c) Hábitos sexuais: reduzir o número de parceiros sexuais, usar preservativo de barreira (“camisinha” feminina ou masculina) durante todas as relações sexuais.
d) Mesmo que seja com familiares ou filhos menores, não compartilhar objetos de uso pessoal: seringas, agulhas, talheres, escovas de dente, materiais cortantes ou potencialmente cortantes (ex.: alicates de unha, instrumentos para colocação de piercings ou tatuagens etc.).
Por fim, vale lembrar que a realização de cesarianas não demonstrou benefícios na prevenção da infecção primária (Grau  D) e que se a mãe adquirir infecção ao longo da amamentação está indicada a suspensão do aleitamento (3).

Repercussões da doença: Os quadros maternos geralmente são assintomáticos ou do tipo gripal leve, e manifestações mais graves e aparentes ocorrem apenas em mulheres imunossuprimidas (infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, usuárias de imunossupressores). Diferentemente da infecção perinatal, a infecção congênita pelo CMV pode trazer prejuízos para parte dos recém-nascidos acometidos.
A grande maioria (80 a 90%) dos recém-nascidos infectados não apresenta nenhum sinal de infecção por esse vírus perceptível ao nascimento. Entre 5 e 10% dos recém-nascidos manifesta sinais típicos, com envolvimento de múltiplos órgãos: hepatoesplenomegalia, microcefalia, calcificações intracranianas, hidropsia, icterícia colestática, convulsões, petéquias e púrpura. Esses quadros generalizados são de evolução rápida e com mortalidade em torno de 20 a 30%. Apesar da grande maioria das infecções congênitas serem assintomáticas ao nascimento, entre 10 e 15% das crianças pode desenvolver sequelas que incluem deficiência auditiva e alterações neurológicas. Em grande parte das crianças as sequelas são progressivas e tornam-se perceptíveis ao longo da infância (geralmente nos primeiros 2 anos) (1,2,3).


Complementação: O CMV é um DNA vírus da família dos herpes, agente da infecção congênita mais comum em todo o mundo, além de ser o mais frequente agente causal de lesões cerebrais neonatais. Estima-se que um em cada 150 nascidos vivos seja infectado pelo CMV na América do Norte e, no Brasil, apesar da escassez de dados em escala nacional, estudos locais mostram que a incidência de infecção congênita pelo CMV é de 1,08% em uma população com 95% de soropositividade. A soroprevalência é extremamente elevada, variando de 60 a 80% nas camadas sociais mais baixas da população e, no Brasil, chega a 95%. O risco de soroconversão (ou infecção primária) durante a gravidez é de 1 a 3% e de recorrência ou reativação é de 20 a 30%, uma vez que, por se tratar de um herpesvírus, as infecções latentes são relativamente comuns. Alguns fatores de risco para soropositividade são etnia não caucasiana, baixo nível socioeconômico, multiparidade, adolescência e início recente de atividade sexual(1,2).

Atributos APS: O objetivo do acompanhamento pré-natal é assegurar o desenvolvimento da gestação, permitindo o parto de um recém-nascido saudável, sem impacto para a saúde materna, inclusive abordando aspectos psicossociais e as atividades educativas e preventivas. Talvez o principal indicador do prognóstico ao nascimento seja o acesso à assistência pré-natal. Os cuidados assistenciais no primeiro trimestre são utilizados como um indicador maior da qualidade dos cuidados maternos. A unidade básica de saúde (UBS) deve ser a porta de entrada preferencial da gestante no sistema de saúde. É o ponto de atenção estratégico para melhor acolher suas necessidades, inclusive proporcionando um acompanhamento longitudinal e continuado, principalmente durante a gravidez (1).

Educação Permanente: De maneira geral, a realização rotineira de testes sorológicos para detecção de anticorpos anti-CMV, sejam eles de classe IgG ou de classe IgM, durante o pré-natal não está indicada na população brasileira por não trazer benefícios potenciais, como se justifica a seguir:

A – Em aproximadamente 90–95% das gestantes serão detectados anticorpos IgG anti-CMV. A detecção desses anticorpos não permite afastar o risco de infecção fetal, pois, apesar de ser menos frequente, pode haver transmissão devido a infecção secundaria gestacional;
B – A detecção de anticorpos IgG e IgM anti-CMV não define a ocorrência de infecção primária gestacional ou maior risco de transmissão fetal;
C – Não há, até o momento, nenhuma modalidade de tratamento materno que previna ou reduza a chance de ocorrência de doença fetal que tenha sido aprovada para uso (1,2).

Bibliografia Selecionada:

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – 5. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: <http://www.fasa.edu.br/images/pdf/manual_tecnico_gestacao_alto_risco%202012%5B1%5D.pdf>. Acesso em: 27 out. 2014.
  2. Rudge MVC, Calderon IMP et al. Manual de Orientação Gestação de Alto Risco. FEBRASGO – Comissões Nacionais Especializadas Ginecologia e Obstetrícia, 2011. Disponível em: <http://febrasgo.luancomunicacao.net/wp-content/uploads/2013/05/gestacao_alto-risco_30-08.pdf>. Acesso em 27 out. 2014.
  3. Martins-Costa S, Ramos JGL, Valiati B, Vettorazzi J. Infecções na Gestação In: Duncan BB, Schmidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas em Atenção Primária à Saúde Baseadas em Evidências. 4ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.